A visão de Satoshi Nakamoto

O Bitcoin, como Satoshi Nakamoto a concebeu, fez 10 anos de existência em 31 de outubro, o seu percurso desde o valor zero até aos 16000€ tem sido marcado por momentos atribulados, desde ao seu uso para pagamentos ilícitos (Silk Road) ao roubo da maior exchange de negociação de Btc MtGox, altos e baixos existem em qualquer mercado, mas no caso dos crypto-assets daria para escrever uma novela, no entanto a vida continua e a lei da procura e oferta impera.

A visão de Satoshi Nakamoto, o criador anónimo do Bitcoin, plasmada no seu white paper, propunha a necessidade de substituir as autoridades financeiras centrais, criando um sistema de pagamentos eletrónicos que fosse baseado, em vez de confiança (abordaremos a confiança no dinheiro mais a frente), em provas criptográficas, permitindo que duas partes pudessem receber e fazer pagamentos sem uma terceira parte.
Esta ideia não era original na altura e um dos seus percursores foi o BMoney de Wei Day e o HashCash de Dr. Adam Black “pai” do sistema proof of Work (PoW) usado pelo Bitcoin.

Parte da visão de Satoshi Nakamoto, era também a possibilidade, de qualquer pessoa criar riqueza através do seu computador em casa. Como?
Fazendo parte da rede do Bitcoin e alocando poder de processamento a bem da rede contribuindo para o Proof of Work, e recebendo Bitcoin como recompensa por este trabalho, também chamado de mining.
Este ideal de descentralização e de distribuição de riqueza, caso a sua adopção em massa fosse conseguida, em teoria provocaria a derrocada do sistema financeiro ou pelo menos um abalo severo nas instituições financeiras. Para quem é virado para a politica podia ser encarado como uma visão comunista ou socialista de distribuição de riqueza.
Mas o ser humano transforma o idealismo em seu próprio proveito, sejam ideais políticos ou religiosos, todos nascemos iguais, mas uns mais iguais que outros.

Da visão de Satoshi à realidade

Nem tudo vai bem na visão de Satoshi, a realidade é que existem varias diferenças de opinião maioritariamente técnicas, dentro da comunidade Bitcoin que geraram múltiplos Hard Forks, sendo o mais notório o Bitcoin Cash (BCH), e dentro deste uma guerra para fazer dois hard forks o Bitcoin Cash ABC e o Bitcoin cash SV (Satoshi Vision).
Outros crypto assets, caíram na categoria das Alt Coins, estas alt coins, estão dispersadas entre moedas de pagamento,  tokens utilitários e redes de infraestrutura e existem cerca de 2000 assets atualmente.

O valor do dinheiro Fiat

O Fiat é o dinheiro que temos na nossa conta bancaria, no nosso bolso, aquilo que ganhamos e trocamos por bens ou o que investimos, este papel moeda na sua génese, foi criado para facilitar as transacções comerciais por ser um meio mais prático e o seu valor era assegurado por ouro ou prata e mais importante era convertível no asset sub adjacente, as pessoas agarravam no papel moeda e trocavam por ouro ou prata. Portanto o valor da moeda estava assegurado pelo Gold Standard, para cada “moeda” havia X gramas de ouro em valor, em 1933 nos Estados Unidos o papel moeda deixou de ser convertível e em 1973 terminou o Gold Standard, sob a mão pesada do Presidente Nixon o chamado Nixon Shock que foi o principio do fim do sistema Brenton Woods.

Curiosamente o famoso investidor Ray Dalio estava no mercado no dia em que aconteceu, e pensou que no dia seguinte os mercados iriam cair fortemente, tal não aconteceu, ao contrário do expectável teve lugar um rally onde o dólar e o S&P500 tiveram um bullrun mais espantosamente o ouro teve um bullrun de 9 anos desde $35/oz em 1971 até $850/oz em 1980 na altura.
Ao que parece na altura esta politica de proteccionismo foi encarada pelo publico americano com muito optimismo.

Portanto o valor do dinheiro é assegurado pelos Bancos Centrais (isto no mundo civilizado), podendo este ser impresso ou “queimado” pagando a divida emitida, no intuito de manter a estabilidade do sistema financeiro ou “queimado” pagando a divida emitida. Isto claro numa visão muito minimalista.

O mito que corre por ai, é que os governos mandam os bancos Centrais imprimir dinheiro, mas se isso fosse verdade o Presidente Trump poderia desvalorizar o dólar para equilibrar a balança económica externa. Os governos podem pressionar, mas não mandar.

O preço de um IPhone 6 em dolares do Zimbábue $3,552,500,000,000,000,000,000 

Um caso extremo da hiperinflação, no terceiro mundo, deu-se em 2000 no Zimbábue governo de Robert Mugabe.
Além da economia estar em mau estado, Mugabe numa manobra politica / popularista expulsou os agricultores brancos expropriando as terras, e entrega as terras a pessoas sem experiência na agricultura, o que levou à queda acelerada das exportações. Para substituir o influxo de divisa externa como pagamento das exportações, começou a imprimir mais dinheiro criando uma inflação galopante, de tal maneira que a ultima nota a ser produzida foi a de 100 triliões de dólares do Zimbábue que dava para pagar o passe de transportes públicos durante uma semana.
Foi a a falta de confiança na moeda por parte das pessoas, que tinham de levar sacos de dinheiro para comprarem coisas básicas, que levou em ultima instância ao fim do dólar do Zimbábue.
O mesmo está a verificar-se na Venezuela.

Como se pode ver, o valor do dinheiro depende principalmente dos bancos centrais que tutelam a sua impressão, e do binómio procura / oferta nos mercados, mas nos casos onde os governos autocráticos decidem sobre questões monetárias como instrumento politico, a hiperinflação é um problema. 

O que muda com o Bitcoin?

A meu ver nada.

Vejamos se o Bitcoin  fosse substituir o dinheiro Fiat, qual seria o preço do BTC?

Como se sabe só poderão existir 21 milhões de Bitcoins, portanto para fazer parte de um programa de pagamentos, portanto a sua escassez impede-a de ser a moeda digital por excelência, a meu ver uma falha na visão do Satoshi Nakamoto, talvez seja uma boa guarda de valor num futuro próximo, mas respondendo à pergunta, só o mercado saberá dar o preço do Btc, da mesma maneira que o mercado atribui preço ao dólar ou euro, mais impressão menos impressão de uns milhões de notas 😀
Mas se a limitação dos 21 Milhões de Btc é limitativo, existem moedas digitais que não tem limites de “impressão” como o etherum entre outras alternativas.

Afinal qual o valor do Etherum?

A dificuldade é mesmo essa! atribuir um valor a algo que não tem um valor intrínseco, são bits armazenados num computador, mas ai também 70% do dinheiro existente não é físico, são apenas registos numa base de dados, e um pouco  como o dinheiro o Etherum vale aquilo que o mercado disser que vale. E para o mercado já chegou a valer 1200€ e atualmente vale 186€ e amanhã pode valer 400€.
Mas aqui começamos a divergir do dinheiro Fiat.

Quem controla o Btc e os outros crypto-assets?

Existe um dizer muito certo, e que se aplica que nem uma luva aos crypto-assets

There is one golden rule.

Who has the gold makes the rule.

Portanto quem tem mais “moedas” consegue fazer as regras e controlar o preço dessas “moedas”, comprando ou vendendo em exchanges, usando o seu voto em moedas onde os seus detentores têm direito a voto sobre o rumo da moeda.
Os grandes players no mercado como a Bitmain Technologies Ltd detém uma quantidade incrível de crypto assets (principalmente BTC e BCH) suficientes para fazer crashar o mercado das ditas “moedas”.
Vejamos uma tabela das wallets de BTC.

Bitcoin distribution
Balance Addresses % Addresses (Total) Coins $USD % Coins (Total)
0 – 0.001 11295471 49.44% (100%) 2,279 BTC 14,686,879 USD 0.01% (100%)
0.001 – 0.01 5159728 22.58% (50.56%) 21,354 BTC 137,595,236 USD 0.12% (99.99%)
0.01 – 0.1 3898406 17.06% (27.98%) 125,626 BTC 809,470,479 USD 0.72% (99.86%)
0.1 – 1 1784062 7.81% (10.92%) 577,791 BTC 3,723,007,063 USD 3.33% (99.14%)
1 – 10 562067 2.46% (3.11%) 1,487,349 BTC 9,583,758,131 USD 8.56% (95.81%)
10 – 100 132015 0.58% (0.65%) 4,365,060 BTC 28,126,345,064 USD 25.13% (87.25%)
100 – 1,000 14818 0.06% (0.07%) 3,717,698 BTC 23,955,058,297 USD 21.4% (62.12%)
1,000 – 10,000 1650 0.01% (0.01%) 3,568,060 BTC 22,990,856,962 USD 20.54% (40.72%)
10,000 – 100,000 119 0% (0%) 3,021,181 BTC 19,467,037,723 USD 17.39% (20.18%)
100,000 – 1,000,000 4 0% (0%) 483,233 BTC 3,113,720,220 USD 2.78% (2.78%)

Como se pode ver pela tabela existe uma grande concentração de Bitcoin, 22% do total existente em apenas 221 carteiras. Imagine que 22% de todo o dinheiro do mundo estava nas mãos 200 pessoas ou melhor 40% nas mãos de 2000 pessoas.
O que abre espaço ao argumento da centralização do Btc, tanto pelos early adopters, industria de miners, com a Bitmain a cabeça, ou pelas exchanges que cobram fees.

Conclusão

Então face ao exposto neste artigo, os crypto-assets são assim tão diferentes do dinheiro Fiat?

A resposta é não!

As crypto-assets, embora não dependam (ainda) dos governos, alem da lei da procura e oferta dos mercados, poderão estar “reféns” de interesses de empresas privadas, sobre as quais não existe nenhum controle.
Podemos não confiar no estado, mas será que podemos confiar o nosso dinheiro numa entidade privada, sediada num qualquer offshore e pensar que estamos descentralizados e seguros?

Todos temos uma palavra a dizer sobre a politica financeira do nosso país, e a ferramenta de expressão “ou censura” chama-se voto, e temos de confiar que o estado faz o que acha ser melhor para si e para os seus cidadãos.
Quanto ao valor quer dos dinheiro fiat ou das crypto-assets esse será dado pelo mercado, ambos são manipulados, mas a grande diferença é que enquanto o Fiat é manipulado pelas politicas financeiras dos bancos centrais, que obedecem a regras ou no mínimo “guidelines” enquanto os crypto-assets são manipulados pelos gigantes da industria com agendas ocultas.

Afinal o que é mais valioso? o interesse do estado, como protetor dos seus contribuintes ou a liberdade total do individuo (vulgo sardinha) expondo-o aos perigos de um oceano habitado pelos tubarões?

Serei um “hater” das cryptomoedas?

Não sou, e aliás, até tenho alguns crypto-assets de projetos que considero interessantes e com futuro, o meu prognóstico para o mercado das criptomoedas, será como o que está a acontecer com a industria das FinTech. À 10 anos as Fintech nasceram com o objetivo de mudar radicalmente o panorama bancário mundial.
Uma espécie de declaração de guerra a banca tradicional, por todo o lado já se escrevia obituarios dos bancos tradicionais, paz a sua alma. 10 anos depois verifica-se que muitas dessas startups trabalham hoje para ou em colaboração com a banca tradicional, portanto se não os consegues vencer junta-te a eles.
É esse o prognóstico que vaticino para grande parte dos projetos Blockchain, sinergias entre bancos e empresas multinacionais, sendo muitos destes projetos completamente absorvidos e outros declarados extintos, a tecnologia Blockchain não é a banha da cobra que cura todas as maleitas do mundo moderno, talvez seja uma Aspirina para as dores de cabeça.