A decisão de suspender o short selling, vem responder às queixas de que alguns short sellers espalham falsos rumores com vista a baixar o preço das ações. Outra preocupação é com o naked short selling, em que os investidores vendem ações sem que antes as tenham obtido emprestadas e depois falham a liquidação.

Ambas as operações já são ilegais. A primeira é manipulação de mercado e punida por lei; curiosamente este tipo de manipulação acontece muito mais do lado da compra – dito “longo” – (ie. falsos rumores de OPA) sem que passe pela cabeça de alguém proibir as compras. A segunda é também proibida, embora mesmo assim vários brokers o permitam, tendo em conta que a penalização é muito pequena e por isso o “crime” compensa; este sim é um ponto a merecer fiscalização e mão pesada dos reguladores.

Banir as operações legítimas de short selling é amputar uma perna do mercado

No entanto, o que agora se tenta banir é uma operação legítima (diferente de naked short selling) e que é tão benéfica como a compra, na medida em que permite ao mercado ajustar-se rápida e precisamente à perspetiva de valor dos seus participantes, atingindo um equilíbrio de preço mais rápido, muita das vezes com recurso a arbitragem que permite reduzir o misprincing e aumentar a sua eficiência e liquidez.

Banir as operações legítimas de short selling é amputar uma perna do mercado e contribuir para que este seja menos eficiente e menos justo ao criar, como defendem Duffie, Garleany & Pedersen (2002), fricções que tornam impossível aos short sellers conduzir o preço das ações de volta aos fundamentais, uma vez que este tipo de restrições, como avançam Miller (1977) e Harrison & Kreps (1978), retira os pessimistas do mercado e os otimistas deixam de poder levar em conta o efeito do pessimismo na formação de preços.

Esta suspensão serve apenas como bode expiatório de algo mais complexo, como serviu a up-tick rule, que só permitia um investidor vender short depois da ação subir 80 pennies (em 2001 apenas 1 penny), implementada em 1930 nos EUA (e também no Japão em 2002) e abolida em 2007 (nos EUA) por se considerar (no teste piloto do programa realizado em 2005) que ia contra a qualidade e eficiência do mercado (ie. impedir que se cubra uma posição em obrigações convertíveis através do short do ativo subjacente), como aliás concluíram Boehmer, Jones & Zhang (2009) e Diether, Werner & Lee (2009).

Atualmente, esse “algo mais complexo” deve-se ao facto das ações do sector financeiro que viram agora o short selling suspenso por 15 dias, estão a ser afetadas pela divida soberana e pelo prémio de risco que está a ser negociado no mercado fora de bolsa dos Credit Default Swap (CDS). Aparentemente sem ligação para os menos atentos, a verdade é que este mercado dá uma ideia dos riscos e das perdas das carteiras de investimento dos bancos e a negociação dos CDS sobre a dívida dos bancos dá uma ideia sobre o risco implícito da instituição financeira. É portanto em função deste mercado que incide a  pressão sobre os títulos cotados. Por isto, é fácil perceber que a proibição do short selling não vai evitar a perceção de risco que existe sobre as instituições em causa e o que pode acontecer é que em vez dos participantes fazerem o hedge das suas posições longas com o posições short o façam com uma posição sintética se isso for possível: por exemplo comprando puts e vendendo calls do ativo, ou simplesmente vendendo a posição na sua totalidade para reduzir a exposição ao risco.

Esta suspensão pode fazer com que o mercado recupere momentaneamente, com os short sellers a terem de recomprar as suas posições e a forçarem a subida, mas o seu efeito pode ser muito perverso (aumento de volatilidade e mais instabilidade como é o caso da China em que o short selling é proibido) e poderá precipitar as quedas no futuro com os investidores a venderem as suas ações, uma vez que deixa de haver forma de travar uma distorção do mercado como seria possível através da criação de uma posição sintética que envolvesse o short selling de ações.

É importante reter que um vendedor das suas ações não é obrigado a tornar a comprá-las, mas já o short seller será um comprador obrigatório em algum momento, uma vez que terá de repor as ações vendidas, podendo por isso ser ele um dos poucos a segurar o mercado num momento de pânico vendedor.

Sublinhe-se que esta proibição foi avulsa (em 4 países) e sem a coordenação do conselho de reguladores, o que transpira a ideia de que há algo de fundamentalmente errado no sector financeiro dos países em causa e que estes governos ficaram mais esquizofrénicos do que com a crise da Grécia.

Em Setembro de 2008, a U.S. Securities and Exchange Comission (SEC) também surpreendeu o mercado ao banir temporariamente o short selling para mais de 1.000 acções do sector financeiro, exatamente pelas mesmas razões que agora se evocam para justificar esta disfunção dos reguladores. No entanto, de acordo com Boehmer, Jones & Zhang (2009), as ações sujeitas a esta restrição sofreram uma severa degradação em termos de qualidade de mercado, medida pelo spread, impactos do preço e a volatilidade intra-diária, concluindo ainda que não houve efeitos positivos no preço destas ações.

O short selling foi também banido em Singapura, entre 1985 e 1986, durante a crise da Pan Electric Industries, e de acordo com Ho (1996) a volatilidade aumentou significativamente.

Por fim, mas não menos importante, banir o short selling faz o mesmo sentido do que permitir apenas ordens de compra; ou seja, não faz sentido nenhum. Isto é fácil de entender se percebermos que no short selling o investidor só pode vender quando está na efetiva titularidade das ações conseguidas através de empréstimo, o que significa que quem emprestou essas ações deixa ele próprio de as poder vender enquanto as mesmas estiverem emprestadas, o que impede a criação (do nada) de ordens de venda. Isto é o mesmo que dizer que o short seller está a vender apenas aquilo que outro não quis vender, mas que podia ter vendido sem que ninguém lhe apontasse o dedo, criando exatamente a mesma pressão de venda que o short seller cria. Para além disso, este mecanismo permite ao  credor receber uma justa remuneração pelas ações que dá como empréstimo, valor que não receberia se as imobilizasse numa conta.

Em todo o caso, acredito que a suspensão efetuada não impedirá o short selling, na medida em que é muito difícil aos reguladores intervirem em negócios jurídicos privados estabelecidos livremente entre partes interessadas e esclarecidas como acontece com os contratos de empréstimos de ações, não obstante o subjacente estar sob a alçada do regulador.

A reter:

A) A arbitragem, que é um mecanismo importante para a eficiência do mercado, na medida em que permite corrigir a distorção de preços de ativos semelhantes intra-mercados e inter-mercados, só é possível se o short selling existir. Um exemplo de uma distorção que durou dias devido à impossibilidade (técnica) de fazer short selling nas American Depositary Shares (ADS) da France Telecom entre Maio e Junho de 2006 foi estas estarem a ser cotadas nos EUA a um preço (em dólares) muito mais elevado do que o preço (em dólares) das ações (com os mesmo direitos que as ADS) cotadas em França, o que é bizarro.

B) Quando os preços sobem os investidores tendem a comprar mais, acelerando o seu movimento, e à medida que o movimento acelera, os investidores também aceleram as suas compras, o que faz com que a subida das ações se alimente a ela própria, muitas vezes criando grandes bolhas. O mesmo acontece quando os preços descem, em que as grandes quedas se alimentam a elas próprias, resultando em quedas vertiginosas. Nesta ótica, podemos então dizer que uma forte tendência ascendente de preços desencoraja os vendedores (aumentado ainda mais a tendência e não necessariamente o volume transacionado) e uma forte tendência descendente desencoraja os compradores (aumentado ainda mais a tendência e não necessariamente o volume transacionado) , o que origina um enorme mispricing e diminuição de liquidez. Nestes casos, a maioria destes movimentos extremos faz-se por uninformed traders, que são investidores menos informados sobre o valor justo do ativo que estão a negociar, o que seria o mesmo que dizer que estão a “comprar gato por lebre” ou a “vender lebre por gato”.

O mais interessante é que com o short selling a situação inverte-se, porque sendo os short sellers geralmente informed traders, uma evidência bem suportada na literatura existente com Dechow et al. (2001), Choen, Diether & Malloy (2007) e Boehmer, Jones, & Zhang (2008) a demonstrarem que no agregado os short sellers aparentam negociar baseados numa correta informação dos fundamentais, detendo por isso um juízo mais informado e fundamentado do valor justo do valor mobiliário que pretendem negociar, à medida que o preço cai e se afasta do seu valor justo piorando o rácio risco/recompensa da operação, motiva a que não abram novas posições shorts e que cubram as suas posições abertas comprando acções, numa altura em que possivelmente poucos o quererão fazer, ajudando assim a impedir o crash.

Por outro lado, quando a ação sobe muito e se afasta bastante do seu valor justo, os short sellers, como informed traders que geralmente são, vendem as acções impedindo que se formem bolhas.

De acordo com Diamond & Verrecchia (1987) e Reed (2007), as restrições no short selling resultam num ajuste mais demorado dos preços à informação negativa e criam assimetrias de preço em resposta à informação acerca de resultados.

Boehmer & Wu (2008) concluíram ainda que o short selling reduz o desvio do anúncio pós-resultados e faz com que os preços sejam informativamente mais eficientes.

Isto demonstra que o short selling é um mecanismo muito importante para mitigar o mispricing, ajustando mais rapidamente os preços à nova informação, e evitar situações extremas de ativos sobre-avaliados ou sub-avaliados, tornando o mercado mais eficiente.

O Short Selling não é um free lunch:

1) Fazer short selling diretamente em ações é mais difícil do que comprar ações, porque obriga a ter presente uma série de mecanismos, como é o caso de conseguir as acções emprestadas, assim como a manutenção de margens, pagamento de fees pelo empréstimo e o eventual fecho forçado devido a um short squeeze que retire a margem ao short seller.

2) Matematicamente uma posição short é muito mais arriscada do que uma posição longa, uma vez que na segunda o risco de perda é apenas o capital investido e na primeira o risco pode ser o montante investido “infinitamente” multiplicado, isto porque o máximo que uma ação pode cair é até ao preço de 0, já na subida não tem limite.

Por: Octávio Viana, presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais e autor do livro “Estudos no Mercado de Capitais”, da Editora ATM.

 

 

 

NOTA: Este artigo foi publicado no Diário Económico de dia 16 de Agosto de 2011, embora pela natural limitação de espaço e com vista a tornar a leitura mais fácil para todos os leitores dessa edição económica, se tenha optado por uma versão ligeiramente mais curta.

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